Calendário de eventos (Jun. 2021)

Obesidade infantil e as oportunidades das Cidades Saudáveis na oferta de um ambiente promotor de saúde, alimentação saudável e atividade física2 de junhohttps://www.linkedin.com/events/6803669558931570688/ 
Dia Nacional da Educação Ambiental – Juventude e seus espaços de representação2 de junhohttps://www.youtube.com/watch?v=iy42SSmCjdg 
Disaster Displacement and Anticipatory Financing3 de junhohttps://www.preventionweb.net/events/view/78063?id=78063 
Cambridge Climate & Sustainability Forum 20214 e 5 de junhohttps://www.eventbrite.co.uk/e/sustainability-in-action-cambridge-climate-and-sustainability-forum-2021-tickets-154421473785 
A Growing Crisis: The Launch of the World Climate and Security Report 20217 de junhohttps://us02web.zoom.us/webinar/register/WN_KjQxwlkGQwqzuzlM8pboYg 
How to make cities more resilient8 de junhohttps://www.sei.org/events/how-to-make-cities-more-resilient/ 
The Integrated Research on Disaster Risk 2021 International Conference8 a 10 de junhohttp://conference.irdrinternational.org/ 
ADRC First Seminar: Investing in Disaster Risk Reduction for a Resilient Society15 de junhohttps://www.adrc.asia/acdr/drr2021seminar.php 
World Cities Summit 2021 – Livable and Sustainable Cities: Adapting to a disrupted world20 a 24 de junhohttps://www.icleioceania.org/new-events/2020/7/5/world-cities-summit-2020-singapore 
OpenBlue Summit Latin America 202122 a 24 de junhohttps://jciopenbluesummit.com/?lang=pt 
Driving Urban Transitions towards Sustainable Futures: A workshop for experts from Latin America and the Caribbean28 de junhohttps://jpi-urbaneurope.eu/event-calendar/driving-urban-transition-towards-sustainable-futures-an-online-workshop-for-experts-from-latin-america-and-the-caribbean/ 
Fórum “Cidades Inteligentes 2021 – Cidades Inteligentes e Resiliência na Europa”29 de junhohttps://www.2021portugal.eu/pt/eventos/forum-smart-cities-2021-smart-cities-and-resilience-in-europe/ 

Dimensões da cidade resiliente

Parque da Água Branca – São Paulo, SP (acervo próprio)

Já mencionamos em artigos anteriores que resiliência não implica voltar ao estado anterior ao fator disruptivo, mas sim se recuperar e, nesse processo, se fortalecer. Por se tratar de uma questão complexa, em que os diferentes setores da gestão urbana se envolvem e se influenciam mutuamente, as ações para melhoramento da resiliência urbana devem se destinar não só às infraestruturas físicas, mas a todos os sistemas que compõem o meio urbano.

Utilizamos a palavra “dimensões” para, dentre outros significados, nos referir à extensão mensurável de determinado elemento – isto é, o espaço por ele ocupado, seja este espaço físico ou abstrato. Nesse sentido, podemos ainda nos referir a dimensões da cidade resiliente como aspectos que compõem a resiliência urbana, que, por sua vez, podem ser utilizadas para desenhar modelos e teorias que simplificam uma realidade complexa, sistematizando e facilitando o entendimento. Além disso, tais modelos podem construir bases fundamentais para, por exemplo, promover a avaliação da resiliência urbana, à medida que cada dimensão agrupa um conjunto de indicadores. Mas deixemos a questão da avaliação para o futuro, pois neste artigo o foco será apenas dimensões.

O primeiro modelo a ser mencionado é utilizado por diversas organizações e pesquisadores. Trata-se de um entendimento que compreende a resiliência em 4 dimensões: econômica, ambiental, social e político-institucional. Cada uma dessas dimensões agrupa uma gama de serviços essenciais para a sobrevivência humana, tais como:

– Dimensão econômica: produção industrial, geração de emprego e renda, desenvolvimento de inovação e de capacidades humanas;

– Dimensão ambiental: manutenção dos recursos naturais, equilíbrio dos serviços ecossistêmicos, bem estar ambiental;

– Dimensão social: saúde, igualdade de gênero, acesso à cultura e lazer;

– Dimensão político-institucional: transparência da administração pública, acesso à informação, participação popular.

Este modelo quadripartido é utilizado, por exemplo, pelo Escritório das Nações Unidas para Redução do Risco de Desastres (UNDRR). [1] Com essa divisão, pode-se pensar numa gama de ações fundamentais a ser tomadas para cada dimensão, por exemplo: 

– A dimensão econômica deve buscar diversificação das atividades econômicas, redução da pobreza e continuidade de negócios locais; 

– A dimensão ambiental precisa incorporar medidas para proteger recursos naturais existentes, bem como recuperar áreas degradadas; 

– A dimensão social requer garantia de acesso a serviços básicos, bem como participação e integração de múltiplos stakeholders; e 

– A dimensão político-institucional requer, dentre outras estratégias, a coordenação intersetorial de políticas públicas e melhoria das capacidades institucionais.

A OECD também utiliza o modelo quadripartido [2, 3]. Cada dimensão é entendida como uma área que impulsiona a resiliência, enquanto cada área abriga as respectivas atividades relevantes: diversificação das indústrias e inovação, bem como acesso à boas condições de emprego (dimensão econômica); sustentabilidade e adequação do desenvolvimento urbano, da infraestrutura e da gestão de recursos naturais (dimensão ambiental); inclusão e coesão entre as pessoas (dimensão social); e liderança, colaboração e participação (dimensão político-institucional).

A Fundação Rockefeller publicou em 2015 outro modelo bastante conhecido: o Quadro de Cidades Resilientes (City Resilience Framework – CRF), uma ferramenta para visualizar as forças e fraquezas das cidades no campo da resiliência. Neste caso, embora ainda se tratem de 4 categorias, a divisão é um pouco diferente: (I) saúde e bem estar; (II) economia e sociedade; (III) infraestrutura e meio ambiente; e (IV) liderança e estratégia. [4] Percebe-se que os elementos econômico e social ainda estão presentes, mas sob uma mesma divisão, enquanto o elemento ambiental é agrupado à infraestrutura para compor o espaço físico. Além disso, neste modelo, a dimensão político-institucional é substituída pela figura da liderança e estratégia, o que destaca a importância das comunidades e líderes locais no processo decisório. Por fim, podemos localizar uma atenção especial para a questão da saúde e bem estar, uma das questões mais urgentes e evidentes num contexto de desastre.

Uma investigação mais minuciosa pela literatura pode encontrar diversos outros modelos para compreender as dimensões da resiliência. Sharifi e Yamagata (2016), por exemplo, propõem 5 dimensões [5]:

– Dimensão da economia, que se refere à estrutura da economia, bem como à sua segurança, estabilidade e dinamismo, associada às capacidade e habilidades das pessoas, bem como disponibilidade de trabalhos razoavelmente remunerados.

– Dimensão material e de recursos ambientais, que remete à qualidade, disponibilidade, acessibilidade e conservação dos recursos (que por sua vez providenciam serviços ecossistêmicos essenciais).

– Dimensão da sociedade e bem estar, que influencia a auto-suficiência e resiliência de uma comunidade.

– Dimensão do ambiente construído e infraestrutura, que recomenda multifuncionalidade de espaços urbanos, bem como monitoramento regular das estruturas associado à requalificação ambiental.

– Dimensão da governança e instituição, que almeja eficiência das relações entre comunidades e entidades da administração, além do fortalecimento e empoderamento das lideranças locais, com incentivo à transparência, participação popular e colaboração no compartilhamento de informações e na tomada de decisões.

Outros modelos encontrados na literatura foram aqueles propostos pelo Centro Multidisciplinar de Pesquisa da Engenharia dos Terremotos (MCEER), nos Estados Unidos. [6] O primeiro modelo (2006) utilizava 4 dimensões da resiliência (técnica, organizacional, social e econômica), enquanto o segundo modelo (2010) estabeleceu 7 dimensões (população e demografia, ecossistema e meio ambiente, serviços governamentais organizados, infraestrutura física, estilo de vida e competência da comunidade, desenvolvimento econômico e, por fim, capital social e cultural). Interessante observar que os modelos não são apenas nomes e caixinhas, mas produzem consequências na forma como compreendemos a resiliência: o primeiro modelo focava em políticas reativas, isto é, na resposta aos desastres, enquanto o segundo modelo passou a se preocupar também na mitigação e preparação para futuros eventos com potencial danoso.

Observamos neste artigo que os elementos econômico, ambiental, social e institucional estão presentes em todos os modelos acima referidos, ainda que as dimensões sejam divididas de diferentes formas, com mais foco em um ou outro aspecto. Não podemos decidir quais modelos estão corretos ou incorretos, mas talvez possamos discutir qual modelo é mais adequado para determinado caso e suas respectivas particularidades, demandas e emergências. Ademais, sendo simplificações da realidade, os modelos possuem limitações. As divisões facilitam a elaboração de planos setoriais, a definição de estratégias temáticas e posterior avaliação das políticas, mas as dimensões não abrigam núcleos independentes, mas sim sistemas que se relacionam e se intersectam.

[1] Fonte: UNDRR (2012). Como Construir Cidades Mais Resilientes. Um Guia para Gestores Públicos Locais. Conferir: https://www.unisdr.org/files/26462_guiagestorespublicosweb.pdf 

[2] OECD. Resilient Cities. Conferir: https://www.oecd.org/regional/resilient-cities.htm

[3] OECD (2018). Indicators for Resilient Cities. Conferir: https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/6f1f6065-en.pdf?expires=1618754659&id=id&accname=guest&checksum=2D83BC3CE3876B499A278115ABD9CEE1

[4] Rockfeller Foundation (2015). City Resilience Framework. Conferir: https://www.rockefellerfoundation.org/wp-content/uploads/100RC-City-Resilience-Framework.pdf 

[5] Ayyoob Sharifi e Yoshiki Yamagata (2016). Urban Resilience Assessment: Multiple Dimensions, Criteria, and Indicators. Conferir: https://www.researchgate.net/publication/306016491_Urban_Resilience_Assessment_Multiple_Dimensions_Criteria_and_Indicators

[6] Ronak Patel e Leah Nosal (2016). Defining the Resilient City. Conferir: https://sohs.alnap.org/system/files/content/resource/files/main/DefiningtheResilientCity24Jan.pdf 

Calendário de eventos (Mai. 2021)

Addressing COVID-19 for the Environment: Financing Green Recovery4 de maio de 2021https://www.unep.org/events/online-event/addressing-covid-19-environment-financing-green-recovery 
Integrated Approaches to Sustainable Infrastructure Investment5 de maio de 2021https://www.unep.org/events/webinar/integrated-approaches-sustainable-infrastructure-investment 
Risk reconsidered – launch of the Recommendations and a Checklist on Scaling up DRR in Humanitarian Action5 de maio de 2021https://www.undrr.org/event/risk-reconsidered-launch-recommendations-and-checklist-scaling-drr-humanitarian-action 
Together Towards City Resilience: MCR2030 Europe and Central Asia6 de maio de 2021https://www.undrr.org/event/together-towards-city-resilience-mcr2030-europe-and-central-asia 
Nature-Based Solutions for Climate Change: Reconciling the Good, the Bad and the Ugly10 de maio de 2021https://www.wri.org/events/2021/5/nature-based-solutions-climate-change-reconciling-good-bad-and-ugly 
UNESCO World Conference on Education for Sustainable Development17 a 19 de maio de 2021https://events.unesco.org/event?id=275743948&lang=1033 
6th UN Global Road Safety Week17 a 23 de maio de 2021https://www.unroadsafetyweek.org/en/home 
I Congresso Latino-americano de Desenvolvimento Sustentável – Pós-pandemia: Como será o mundo depois da crise? 26 a 28 de maio de 2021https://www.eventoanap.org.br/eventos/paginas/evento/25/pagina/287/i-congresso-latino-americano-de-desenvolvimento-sustentavel/sobre-o-evento 

Cidades sustentáveis, resilientes, inteligentes ou criativas?

Catedral da Sé – São Paulo, SP (acervo próprio)

Cidades sustentáveis? Ou seriam cidades resilientes? E as cidades inteligentes, criativas, ecológicas, de baixo carbono? Cada vez mais observamos o uso dessas terminologias em eventos, notícias e publicações, muitas vezes de maneira intercambiável. No entanto, ainda que uma cidade inteligente possa ser uma ecocidade ou uma cidade criativa possa ser sustentável, a relação não necessariamente é verdadeira, uma vez que seus conceitos não são sinônimos.

Comecemos pelas cidades sustentáveis, provavelmente a categoria mais popular dentre as mencionadas (já que o próprio conceito de sustentabilidade é bastante amplo, podendo se referir a diversas demandas distintas na agenda de políticas públicas). Tais cidades buscam a melhoria do bem-estar e qualidade de vida das pessoas através de um desenvolvimento inclusivo e em equilíbrio com o meio ambiente. [1] Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU retratam diferentes dimensões de sustentabilidade no âmbito ambiental, social, econômico e institucional. Cidades e comunidades sustentáveis é o décimo primeiro ODS, em que “tornar cidades sustentáveis significa criar oportunidades de carreira e negócio, habitação segura e acessível, e construir sociedades e economias resilientes. Envolve investimentos em transportes públicos, criação de espaços públicos verdes e melhora do planejamento e gestão urbana de maneira participativa e inclusiva”. [2]

A rede ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, por sua vez, define cidades sustentáveis como “habitats ambientalmente, socialmente e economicamente saudáveis e resilientes para as populações existentes, sem que comprometa a habilidade das futuras gerações de experimentar o mesmo”. [3] Este conceito trabalha com dois componentes importantes da sustentabilidade, trazidas pelo Nosso Futuro Comum, também chamado de Relatório Brundtland, documento que se tornou referência no conceito de desenvolvimento sustentável desde a década de 1970 até hoje: justiça intergeneracional, referindo-se ao direito das gerações presentes de suprir suas necessidades sem prejudicar o direito das gerações futuras; e justiça intrageracional, que exige solidariedade dentro de uma mesma geração, para que as externalidades negativas do desenvolvimento não sejam sentidas desigualmente pelos grupos mais vulneráveis. [4]

Tanto o conceito trazido pelos ODSs quanto pelo ICLEI utilizam o adjetivo resiliente para se referir a sociedades sustentáveis. Isso significa que cidades sustentáveis e cidades resilientes são sinônimos? Vejamos o próximo termo.

Em publicação passada, nos referimos à resiliência urbana como “a capacidade dos meios urbanos de, através de medidas preventivas e de gestão urbana adequada, resistir, responder e se recuperar de um evento danoso, previsto ou não, de maneira rápida e eficiente, de modo que seus sistemas básicos possam continuar em funcionamento.” Dessa forma, a cidade resiliente é aquela que é capaz de absorver o impacto de um evento danoso e manter seus sistemas essenciais. Similarmente, a cidade sustentável é aquela que, tendo construído estruturas ambientais, sociais e econômicas saudáveis, é capaz de sustentá-las dessa maneira a longo prazo. 

Podemos observar, então, que há duas ideias comuns entre as duas categorias: primeiro, tanto a noção de resiliência quanto de sustentabilidade implicam uma ideia de continuidade; segundo, tanto cidades resilientes quanto sustentáveis requerem uma gestão urbana intersetorial, isto é, que inclua diversos setores da agenda pública. Dessa forma, entendemos que a cidade sustentável deve ser resiliente e vice-versa. Contudo, não consideramos os conceitos sinônimos, à medida que as cidades sustentáveis focam no desenvolvimento sustentável, abarcando as noções de justiça intrageracional e intergeracional, enquanto cidades resilientes focam em estruturas flexíveis, preparadas para responder a uma situação de risco.

Outro conceito bastante utilizado nos dias de hoje, com o acelerado desenvolvimento das tecnologias, é o de smart cities ou cidades inteligentes. O conceito smart não se aplica apenas a cidades, podendo ser inclusive incorporado no cotidiano das pessoas. Por exemplo, o uso de um smartphone permite uma facilidade de acesso a diversos tipos de serviço (controle bancário, notícias em tempo real, mapas interativos e constantemente atualizados, entre outros). [1] Assim, a noção de smart frequentemente é associada ao uso de tecnologia, mas não está limitado a isso.

No caso das cidades, uma smart city possui redes e serviços mais eficientes pelo uso de tecnologias digitais e de telecomunicação, não apenas pela melhora do fluxo de informação e comunicação, mas também pelo melhor uso de recursos e redução das emissões. [5] Porém, conforme ponderado pelo Banco Mundial, cidades inteligentes é um conceito que pode ser compreendido por duas visões (que não se excluem): aquela que mencionamos, em que há um intenso uso de tecnologias, com automatização de serviços, incorporação de aparelhos eletrônicos, infraestruturas inteligentes, equipamentos para economia de energia etc.; e aquela em que há uma melhor relação e comunicação entre cidadãos e governos, alavancado pela tecnologia disponível, com maior feedback e participação dos cidadãos, bem como maior transparência das informações possuídas pelo governo. [6] A tecnologia, então, não é um fim em si mesma, mas uma forma de alcançar melhores desempenhos na administração pública, inclusive apoiando soluções mais sustentáveis.

Frequentemente associado ao conceito de smart cities, temos também as cidades criativas, que buscam inovação e desenvolvimento através de serviços e pessoas criativas. São cidades que estimulam tanto a economia criativa local quanto o desenvolvimento de recursos culturais, como língua, gastronomia, lazer e turismo, história e artes. Cidades criativas complementam cidades inteligentes e contribuem para cidades mais resilientes e sustentáveis, à medida que a cultura e criatividade se tornam elementos estratégicos de planejamento, crescimento, inovação e regeneração urbana, promovendo coesão social, bem estar e diálogo intercultural [7], além de promover o desenvolvimento de ideias e capacidades humanas. 

Outros termos podem ser utilizados para situações mais específicas aos seus respectivos debates. A publicação do ICLEI, aqui utilizada como referência de leitura, traz, por exemplo, os conceitos de eco-cities e low-carbon cities. [3] Eco-cities ou eco-cidades (também chamadas de resource-efficient cities ou cidades com manejo eficiente de recursos) são aquelas que apresentam desenvolvimento socioeconômico dissociado da exploração abusiva de recursos, buscando atividades de menor impacto ambiental. Low-carbon cities ou cidades de baixo carbono, por sua vez, são aquelas que buscam estratégias para reduzir e neutralizar a geração de carbono na sociedade através de medidas de economia e infraestrutura verdes.

Em suma, as diferentes categorias aqui mencionadas não se excluem e se complementam, mas não podemos considerá-las sinônimos, já que são utilizadas com diferentes focos e para contextos específicos. Sejam cidades sustentáveis, resilientes, inteligentes ou criativas, o objetivo dentre elas é comum: melhorar a qualidade de vida e bem estar das pessoas.

[1] SEBRAE (2019). Cidades resilientes e sustentáveis. Disponível em: http://sustentabilidade.sebrae.com.br/Sustentabilidade/Para%20sua%20empresa/Publica%C3%A7%C3%B5es/CAR_Cidades_port_digital.pdf 

[2] UNDP (2021). Goal 11: Sustainable cities and communities. Disponível em: https://www.undp.org/content/undp/en/home/sustainable-development-goals/goal-11-sustainable-cities-and-communities.html 

[3] ICLEI (2016). ICLEI – Local Governments for Sustainability. Disponível em: https://e-lib.iclei.org/wp-content/uploads/2016/10/ICLEI-Brochure_Sept-2016_Final.pdf

[4] WCED (1987). Our Common Future. https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf

[5] European Commission (2021). Smart cities. Disponível em: https://ec.europa.eu/info/eu-regional-and-urban-development/topics/cities-and-urban-development/city-initiatives/smart-cities_en

[6] World Bank (2015). Smart Cities. Desponível em: https://www.worldbank.org/en/topic/digitaldevelopment/brief/smart-cities 

[7] UNESCO (2021). Why Creativity? Why Cities? Disponível em: https://en.unesco.org/creative-cities/content/why-creativity-why-cities 

10 anos do desastres de Fukushima (Parte II)

Na primeira parte deste artigo, mencionamos algumas das consequências sistêmicas da tragédia de Fukushima para a sociedade japonesa e para a comunidade internacional. Nesta segunda parte, discutiremos essencialmente dois pontos: primeiro, críticas à desadequação de algumas das medidas tomadas após o desastre; e, segundo, boas práticas e lições recomendadas.

Apesar da longa experiência com eventos com potencial danoso e desastres, a dimensão do evento exigiu uma preparação que não havia sido realizada, de modo que tanto a Tokyo Electric Power (Tepco), operadora da usina nuclear Fukushima Daiichi, quanto o governo japonês foram amplamente criticados pelas respostas ao megadesastre.

Uma investigação conduzida pela Comissão Independente do Parlamento Japonês para Investigação do Acidente Nuclear de Fukushima (NAIIC) concluiu que o desastre de Fukushima foi causado por erro humano, já que a usina não cumpriu as normas de segurança ou se planejou para tal risco. [1] Segundo o relatório da NAIIC, a Tepco estava ciente desde 2006 que a usina poderia enfrentar um blackout no caso de alagamento, mas a companhia não se preparou nem elaborou um plano de resposta para tais situações. Quando o blackout aconteceu, a estação não estava de prontidão, nem possuía planejamento ou treinamento para lidar com o acidente. O governo japonês, por sua vez, foi criticado por não ter utilizado seu poder regulatório para forçar a Tepco a tomar medidas preventivas.

A Tepco também foi criticada quanto ao processo de compensação pelos danos causados pelo acidente. O primeiro formulário disponibilizado pela companhia era extremamente longo (o formulário tinha 60 páginas, além das 160 páginas explicando como preenchê-lo), além de exigir diversos documentos das vítimas, como certificados de residência, comprovantes de renda e recibos, um requisito bastante difícil de ser preenchido por refugiados. Após críticas do governo e do público, a Tepco revisou o formulário diversas vezes para simplificar o procedimento. [2] Ainda assim, a Suprema Corte de Sendai, uma das 8 cortes superiores do Japão, determinou em 2020 que o governo japonês e a Tepco pagassem uma indenização no valor de 1 bilhão de ienes, dobrando o valor inicialmente pago em 2017. [3, 4]

O processo de evacuação também foi bastante problemático. A evacuação no contexto dos desastres é um processo bastante difícil, pois, além das lesões diretamente causadas pelo evento danoso, é um enorme fator de estresse psicológico, depressão e ansiedade. Outra dificuldade é a disrupção das infraestruturas de transporte, fornecimento de água, redes de comunicação, entre outros serviços essenciais para evacuação. No caso de Fukushima, as zonas de evacuação foram progressivamente expandidas para 3, 10 e 20 km, de modo que mais de 20% dos refugiados tiveram de ser realocados mais de 6 vezes. Muitos trajetos de alocação foram longos demais, com uma defasagem de médicos, água e alimentos, de modo que diversos idosos morreram no processo de evacuação. [5]

Apesar destas e outras críticas, é importante que os fatos sejam revisitados, para que críticas sejam convertidas em aprendizados e boas práticas sejam compartilhadas, evitando tragédias similares. Em 2014, o Banco Mundial publicou uma leitura essencial a respeito do megadesastre de Fukushima e lições desprendidas desta experiência (a publicação Learning from Megadisasters: A Decade of Lessons from the Great East Japan Earthquake está disponível na Biblioteca Digital da Estação Resiliência). Em 2021, Takemoto, Shibuya e Sakoda, 10 anos após o desastre, revisaram esta publicação e apresentaram, de maneira concisa e sistemática, 4 lições de Fukushima. [6]

– A preparação para desastres complexos deve ser holística e intersetorial;
– Os investimentos devem buscar prevenção e preparação;
– Desastres são também uma oportunidade para aprender com os erros e adaptar, então devemos institucionalizar a cultura de contínuo aperfeiçoamento da resiliência;
– Uma gestão de desastres efetiva deve ser compartilhada com diferentes agentes, incluindo os governos regionais e locais, comunidades, organizações sem fins lucrativos e setor privado.

Para abraçar essas lições, a publicação recomenda que sejam pensadas ao menos três grupos de estratégias para gestão de desastres: planejamento para construção de infraestruturas mais resilientes; identificação de risco, redução do risco e preparação; e elaboração de políticas de financiamento e seguridade para desastres. 

É importante ressaltar que o impacto de um megadesastre ocorre tanto diretamente, sobre as estruturas físicas, quanto indiretamente, causando a interrupção de serviços essenciais, como transporte, comunicação, estruturas sanitárias, educação e cuidado médico. Assim, o planejamento para construção de infraestruturas mais resilientes se refere não só à criação de edifícios mais resistentes, mas também à definição de planos e instrumentos para garantir a continuidade de serviços. Boas práticas adotadas pelo governo japonês nesse quesito incluem:

– Desde o desastre de Fukushima, construção de mais 30.000 novas unidades de habitação e recuperação quase completa da infraestrutura danificada (trilhos de trem, estradas e seawalls).
– Estabelecimento de programas para fornecimento emergencial de água.
– Utilização de tecnologias para habitações e canos mais resilientes a abalos sísmicos.
– Planejamento para recuperação das vias de transporte, conforme determinado pela legislação (Disaster Countermeasures Basic Act), com foco na reabertura de estradas (essencial para agilidade no processo de resposta emergencial, pois facilita a evacuação e ajuda a dispersar o alagamento).
– Aproveitamento do duplo papel das escolas, cujas construções também são adaptadas e resilientes a abalos sísmicos, funcionando como estruturas para educação da comunidade e como centros de evacuação.
– Restauração de patrimônios culturais, realocando itens em situação de risco e restaurando construções danificadas, em consideração à importância da cultura para a identidade, bem estar e coesão das comunidades. Curiosidade: no Japão, patrimônios culturais historicamente contribuem para marcar o limite de extensão de tsunamis.

O segundo grupo de estratégias se refere à identificação de risco, redução do risco e preparação, atividades que requerem uma grande coleta e compartilhamento de informações em todos os momentos da gestão de desastres. Algumas das medidas utilizadas pelo Japão são: 

– Tecnologias de informação e comunicação (information and communication technology – ICT), instrumentos essenciais para identificação de risco e tomada de decisões baseadas em evidência.
– Comunicação de risco, fundamental para promover a conscientização, treinamento, engajamento e empoderamento de comunidades e agentes.
– Sistemas de alerta antecipados, para orientar e agilizar o processo de evacuação, se necessário.

Por fim, a elaboração de políticas para financiamento e seguridade para desastres são estratégias essenciais num contexto de megadesastres, em que o impacto afeta a área do evento bem como uma cadeia mais larga de fornecimento, interferindo na própria economia nacional. No caso de Fukushima, 90% das falências ligadas ao desastre ocorreram por conta dos impactos indiretos, como disrupções na cadeia de fornecimento. Tais políticas são mecanismos que devem ser definidos antes que um desastre ocorra, pois determina os passivos contingentes e critérios para alocação dessas reservas, para que serviços e infraestruturas vitais ou em situação de maior vulnerabilidade recebam medidas de proteção fiscal (planos para continuidade de negócios ou BCPs, empréstimos a juros baixos, subsídios etc.). O objetivo é evitar ou minimizar a disrupção dos sistemas, garantir a continuidade das atividades e recuperar do desastre mais rapidamente. Para garantir essa recuperação eficiente, o governo japonês se utiliza de parcerias público-privadas, tais como:

– Acordos entre o governo e o setor privado para que as companhias locais auxiliem na limpeza das rodovias e reparação dos principais danos. No caso de Fukushima o acesso a serviços de emergência e recuperação de operações se deu em uma semana após o terremoto.
– Fornecimento de energia elétrica reserva pelas companhias do parque industrial de Miyagi, que já possuem sistemas para economia energética e armazenamento de energia durante cortes ou escassez de energia.

Sempre reforçamos a importância de um planejamento amplo, intersetorial e multidisciplinar na gestão de desastres. Além da elaboração de estratégias durante e após os desastres, é importante refletir sobre ações que possam melhorar a prevenção e resiliência dos sistemas. O gatilho de um desastre como o de Fukushima pode ter sido os abalos sísmicos, mas a configuração do risco exigiu a combinação dos seus três elementos: evento com potencial danoso, exposição e vulnerabilidade. O desenvolvimento de sociedade resilientes é um processo complexo, dinâmico e, sobretudo, criativo, pois requer não apenas constante ajuste e evolução, mas também uma percepção do que pode acontecer, mesmo que não haja precedentes. Para isso, é necessário o envolvimento e empoderamento de diversos atores, para que, através da conexão de diversas habilidades e ideias, nossa visão de governança e gestão pública seja expandida.

[1] World Nuclear (2021). Fukushima Daiichi Accident. Conferir: https://www.world-nuclear.org/information-library/safety-and-security/safety-of-plants/fukushima-daiichi-accident.aspx 

[2] OECD (2012). Japan’s compensation system for nuclear damage. https://www.oecd-nea.org/upload/docs/application/pdf/2019-12/7089-fukushima-compensation-system-pp.pdf 

[3] ABC News (2020). Japan court orders gov’t, TEPCO to pay in Fukushima disaster. Conferir: https://abcnews.go.com/amp/International/wireStory/japan-court-orders-govt-tepco-pay-fukushima-disaster-73341400 

[4] The NY Times (2020). Japanese Government Is Ordered to Pay Damages Over Fukushima Disaster. Conferir: https://www.nytimes.com/2020/09/30/world/asia/japan-fukushima-tokyo-electric.html 

[5] A.Hasegawa, T.Ohira, M.Maeda, S.Yasumura, K.Tanigawa (2016). Emergency Responses and Health Consequences after the Fukushima Accident; Evacuation and Relocation. Conferir: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0936655516000054 [6] Shoko Takemoto, Naho Shibuya, and Keiko Sakoda (2021). Learning from Megadisasters: A Decade of Lessons from the Great East Japan Earthquake. Conferir: https://reliefweb.int/report/world/learning-megadisasters-decade-lessons-great-east-japan-earthquake

Calendário de eventos (Abr. 2021)

Communities – the new local resilience capability7 de abril de 2021https://www.alliancembs.manchester.ac.uk/events/communities—the-new-local-resilience-capability/ 
Webinar: Soluções Baseadas na Natureza, Soluções Inteligentes7 de abril de 2021https://www.linkedin.com/events/6781340305334550528/ 
Research & Innovation Forum 20217 a 9 de abril de 2021https://rii-forum.org/ 
Cidades e turismo no pós-covid12 de abril de 2021https://www.linkedin.com/events/6782989470812655616/ 
Fórum Iluminação Pública e Cidades Inteligentes 13 e 14 de abril de 2021https://www.forumip.com.br/ 
ICLEI World Congress 202113 a 15 de abril de 2021https://worldcongress2021.iclei.org/ 
Cidades criativas: um novo modelo de desenvolvimento para o futuro das cidades?14 e 15 de abril de 2021http://www.hids.depi.unicamp.br/evento/cidades-criativas-um-novo-modelo-de-desenvolvimento-para-o-futuro-das-cidades/ 
EarthxCities – Resilient Cities Virtual Conference23 de abril de 2021https://earthx.org/conference/earthxcities/ 

Estudo de caso: 10 anos do desastre de Fukushima (Parte I)

Ficha técnica:
– Desastre: Triplo desastre em Fukushima;
– Lugar: Região de Tohoku, principalmente o litoral nordeste (Japão);
– Data: 11 de março de 2011;
– Descrição: Um terremoto e um tsunami provocaram danos à usina nuclear Fukushima Daiichi, causando o derretimento de três reatores nucleares e explosão de hidrogênio, liberando material radioativo;
– Vítimas: Mais de 15.000 mortes, mais de 6.000 feridos, mais de 2.000 pessoas desaparecidas e por volta de 470.000 pessoas evacuadas;
– Custo: Mais de ¥20 trilhões (aproximadamente R$ 1 trilhão).

Localizado no Círculo de Fogo do Pacífico, uma das áreas de maior instabilidade geológica do planeta, o Japão é um altamente exposto a eventos decorrentes de abalos sísmicos (terremotos e tsunamis). Embora tal exposição tenha incentivado estratégias para gestão de desastres, como conscientização da sociedade, legislação específica e tecnologias resilientes, o país sofreu há dez anos um dos maiores desastres nucleares do mundo. O desastre foi um encadeamento de três eventos em cascata: um terremoto de magnitude 9 (também chamado o grande terremoto de Tohoku ou de Sendai), seguido de um tsunami (cujas ondas alcançaram 15 metros e cobriram uma área de 561 km2 de terra), seguido do desastre nuclear de Fukushima Daiichi.

O desastre na usina se iniciou com a perda de energia em decorrência do terremoto. O consequente desligamento dos sistemas de resfriamento acarretou na diminuição dos níveis de água dos reatores, expondo os núcleos e acarretando no derretimento dos reatores das unidades 1, 2 e 3. Em decorrência desse derretimento, o zircônio nos tubos de revestimento do combustível reagiu com a água e produzindo uma grande quantidade de hidrogênio. O hidrogênio, por sua vez, altamente inflamável, combinado com materiais radioativos voláteis, vazou dos vasos de contenção para os reatores, resultando em explosões de hidrogênio nas unidades 1, 3 e 4. 

Dessa forma, uma das primeiras consequências desse desastre, especialmente relacionada à liberação de material radioativo, foi uma grande exposição dos trabalhadores à radiação, bem como contaminação da atmosfera, das águas (oceânicas e potáveis) e do solo. [1] A contaminação de ar, água e terra impreterivelmente se estendeu para os alimentos, causando uma dramática situação de insegurança alimentar.

Outro resultado dramático do desastre foi a enorme perda de vidas humanas. Com algumas variações entre relatórios, o desastre de Fukushima contabilizou mais de 15.000 mortes (diretamente atribuídas ao terremoto e ao tsunami ou decorrentes do processo ou das dificuldades da evacuação, já que apenas uma morte foi atribuída à alta exposição à radiação), mais de 6.000 feridos, mais de 2.000 pessoas desaparecidas e por volta de 470.000 pessoas evacuadas. O desastre foi ainda um intenso fator de pressão psicológica sobre as vítimas, intensificando cenários de medo, estresse, ansiedade, depressão, fadiga e outros fatores que aumentaram a vulnerabilidade dos grupos evacuados. [2]

Quanto ao custo financeiro do desastre, embora os valores totais relativos ao dano causado sejam desconhecidos, foi estimado que o procedimento de descontaminação chegaria a ¥20 trilhões; ¥2.6 trilhões para danos causado por perda de valor da propriedade ou por desinformação; e acima de ¥1 trilhão para compensação por despesas com evacuação, dano emocional, entre outras. Além disso, o Japão sofreu significativos impactos em diversos setores da sua indústria. Após o acidente, diversos países barraram a entrada de produtos alimentícios exportados pelo Japão (principalmente de produtos marinhos e comida para bebês) ou demandaram certificações de inspeção de radiação (inclusive para aparelhos eletrônicos e automóveis). O desastre também resultou na queda de 27,8% no número de turistas de 2010 para 2011. [1]

Num país já traumatizado pelas duas bombas nucleares que atingiram o território ao fim da Segunda Guerra Mundial, o desastre de Fukushima criou um ambiente de enorme oposição pública contra o uso de energia nuclear. Logo após o desastre, todas as usinas do país foram interrompidas por 14 meses, e mesmo hoje a maioria continua desativada. O subsequente aumento na importação de combustíveis fósseis também provocou alta no preço da eletricidade de até 38% em algumas regiões, o que acarretou na redução do consumo de energia. Pessoas que dependiam da energia para sustentar os sistemas de aquecimento ficaram mais vulneráveis e o número de mortes relacionadas à exposição ao frio cresceu, embora o número de vítimas não tenha sido estimado. [3]

No Japão, mesmo após a reativação de algumas usinas, a energia fornecida por usinas nucleares reduziu de 30% para 7,5%. Outros países acompanharam essa tendência. Hoje, apenas 6 das 17 usinas alemãs estão operando, mas a previsão é o fechamento das 6 remanescentes até 2022. [4] Na Itália, três meses após o acidente de Fukushima, um referendo decidiu em massa por não relançar a indústria nuclear italiana. A Bélgica, por sua vez, aprovou uma lei pelo abandono progressivo da energia nuclear até 2025. [5]

Adicionalmente, a enorme rejeição à energia nuclear após o desastre se estendeu para o público internacional, o que contribuiu para promover a reputação das energias renováveis, já com uma tendência crescente devido à queda nos custos de geração de eletricidade por meio das tecnologias solar e eólica. [6] Fukushima hoje tem como objetivo se tornar uma referência em geração de energia renovável, tendo se tornado a maior geradora de energia solar em escala comercial do Japão, além de sede de uma das maiores usinas de hidrogênio do mundo. [4] 

Outro impacto do desastre foi uma maior demanda por reforçar a importância de padrões de segurança nacionais e internacionais, bem como orientações para promover maior segurança na produção de energia nuclear. Ao redor do mundo, alguns padrões foram atualizados, como é o caso do padrão de design para segurança da International Atomic Energy Agency (IAEA), que adicionou requisitos para maior proteção em caso de desastres, além de avaliações e testes de segurança. [7] 

No entanto, embora no mundo todo, desde 2010, a geração de energia por usinas nucleares tenha reduzido de 12,8% para 10% [6], a geração de energia por usinas nucleares em 2021 é de 2.750 TWh, número um pouco superior aos 2.720 TWh produzidos em 2010. [4] Há alguns motivos pelos quais diversos países ainda optam pela energia nuclear. Além da vantagem de gerar uma enorme quantidade de energia a partir de uma pequena quantidade de urânio, países fornecedores de urânio, como Austrália e Canadá, são politicamente estáveis e, portanto, uma fonte estável de fornecimento. Contudo, embora apresente baixas taxas de emissão de CO2, os danos ao meio ambiente são muito dramáticos, tanto pelos efeitos decorrentes de acidentes nucleares quanto pela dificuldade inerente ao manejo de lixo nuclear. [1]

Os resultados de um desastre de dimensões tão extensas são complexos: os impactos diretos desdobram-se em impactos indiretos; os prejuízos de um setor afeta outros setores; e as disrupções nos sistemas ambientais afeta também os sistemas sociais, políticos e econômicos, e vice-versa. Os efeitos aqui mencionados são um recorte, de modo que não estão excluídas outras perdas sofridas pela sociedade japonesa (e que ainda hoje ecoam no país). Na segunda parte deste estudo, focaremos nas informações e detalhes a respeito das respostas adotadas pelo governo, bem como nas lições aprendidas com o triplo desastre de Fukushima.

[1] The Sasakawa Peace Foundation (2012). The Fukushima Nuclear Accident and Crisis Management: Lessons for Japan-US Alliance Cooperation. Conferir: https://www.spf.org/en/_jpus_media/img/investigation/book_fukushima.pdf 

[2] https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/2015_fukushima_report.pdf 

[3] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50494512 

[4] https://climainfo.org.br/2021/03/11/dez-anos-depois-de-desastre-de-fukushima-energia-nuclear-ganha-sobrevida/

[5] http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/09/paises-que-abandonam-a-energia-nuclear-a-mantem-ou-a-desejam.html

[6] https://brasil.elpais.com/internacional/2021-03-10/10-anos-de-fukushima-golpe-na-reputacao-de-uma-energia-em-retrocesso.html

[7] https://www.preventionweb.net/news/view/76527 

O conceito de risco: evento com potencial danoso, exposição e vulnerabilidade

Parque da Independência – São Paulo, SP (acervo próprio)

Parte IV: Vulnerabilidade

Vulnerabilidade se refere às características e circunstâncias de uma comunidade, sistema ou patrimônio que a/o torna mais suscetível aos efeitos danosos do evento. [1] A noção de vulnerabilidade é frequentemente utilizada tanto na disciplina de gestão de desastres quanto no contexto de adaptação para mudanças climáticas. Neste artigo, para seguir o recorte das demais publicações desta série, iremos focar em vulnerabilidade aplicada aos desastres.

A vulnerabilidade pode ser referida como a dimensão humana dos desastres, sendo resultado de uma combinação dos elementos econômicos, sociais, culturais, institucionais, políticos e psicológicos que compõem a vida de uma pessoa e do ambiente em que ela está inserida [2]. Assim, vulnerabilidade é o elemento mais estratégico a ser endereçado pelas políticas públicas para gestão de desastres e para desenvolvimento de sociedades resilientes. Isso porque, comparada aos outros elementos que compõem o risco (evento com potencial danoso e exposição), vulnerabilidade é o quesito que está mais próximo do alcance do gestor público, já que é resultado das estruturas criadas pelo homem.

Embora inicialmente a vulnerabilidade fosse visualizada no estudo de desastres como um elemento relacionado à resistência física das estruturas de engenharia, o conceito passou também a ser relacionado com processos sociais e ecológicos. Conforme descreve Victor Marchezini, apenas a partir de 1970 o desastre começa a ser observado como expressão social da vulnerabilidade e, a partir de 1980, a vulnerabilidade passa a ser considerada como “resultado de processos sociais que criam condições inseguras”. [3] Esta percepção da vulnerabilidade é bastante relevante para o modo que compreendemos os desastres, pois não os reconhece como um acontecimento natural, mas sim como consequência da interação de sistemas humanos e ecológicos.

Dessa forma, as causas da vulnerabilidade podem estar associadas tanto a estruturas socioeconômicas (por exemplo, distribuição de poder e renda, aspectos históricos e culturais, e falta de acesso a serviços públicos básicos e a infraestruturas) quanto a pressões dinâmicas que criam ou modificam essas condições de insegurança (como urbanização, alterações nos sistemas ecológicos e crises políticas). [3] Especialmente no caso das cidades, o crescimento populacional acelerado, o desenvolvimento espacial mal planejado, as desigualdades socioeconômicas e a má gestão ambiental são alguns dos vetores que intensificam a vulnerabilidade dos meios urbanos.

Há ao menos duas características que são atribuídas à vulnerabilidade no contexto gestão de desastres: susceptibilidade e falta de resiliência. Susceptibilidade refere-se à predisposição física de pessoas, estruturas e ambientes de serem afetados pelo evento com potencial danoso. Falta de resiliência, por sua vez, refere-se a limitações no acesso e mobilização de recursos que interferem na capacidade de antecipar, absorver e responder aos impactos do evento (sejam esses impactos sociais, ecológicos, econômicos ou institucionais). [4] Uma comunidade instalada próxima ao leito de um rio é mais suscetível aos danos consequentes do período de cheia; contudo, construções elevadas, paredes para contenção de alagamentos, estruturas flutuantes e outras tecnologias tornam a comunidade mais resiliente e menos vulnerável.

Uma vez que a vulnerabilidade está associada a falhas sistêmicas, estruturais e complexas, o desafio primordial do gestor público é estabelecer políticas profundas, em diversos setores, associando múltiplos atores e estratégias, que podem exigir um esforço custoso e longo, mas fundamental. Além disso, sendo a vulnerabilidade dinâmica e sujeita às mudanças nos sistemas, outro desafio é que as estratégias acompanhem essas mudanças, que podem ser alterações nos padrões demográficos, nas condições socioeconômicas, nas estruturas físicas e ecológicas disponíveis, no contexto político e institucional, dentre outras.

Tais desafios exigem políticas públicas contínuas, consistentes e multisetoriais, comunicando estratégias de governança, socioeconômicas e ambientais. Utilizando como referência as duas características da vulnerabilidade mencionadas acima, para definir ações que podem diminuir a vulnerabilidade de cidades (e, consequentemente, para diminuir o risco a desastres), é fundamental que o gestor público busque a redução da susceptibilidade dos sistemas e o desenvolvimento da resiliência urbana. Além das ações já mencionadas em artigos anteriores, a administração deve incluir ainda (mas não apenas):

– Políticas de governança, incluindo o estabelecimento de centros de pesquisa e informação, bem como de secretarias especializadas.

– Políticas para redução das desigualdades (sejam elas econômicas, de gênero, etnia etc.), tais como programas de educação e treinamento, de auxílio e distribuição de renda, de criação de emprego, entre outros.

– Políticas de requalificação e revitalização dos espaços urbanos, com maior acesso a tecnologias resilientes e inclusão das comunidades nos processos decisórios.

A vulnerabilidade é um tema que voltará a ser abordado em outras publicações deste plataforma, uma vez que está no cerne das estratégias para redução do risco de desastres, bem como para as ações de adaptação às mudanças climáticas. Este foi o último artigo da série “Conceito de risco”. Esperamos que os textos tenham oferecido uma base clara e coesa de como os desastres não são naturais, mas resultado de falhas no desenvolvimento.

[1] United Nations International Strategy for Disaster Reduction (2009). UNISDR Terminology on Disaster Risk Reduction. Conferir: https://www.preventionweb.net/files/7817_UNISDRTerminologyEnglish.pdf

[2] Prevention Web. Vulnerability. Conferir: https://www.preventionweb.net/disaster-risk/risk/vulnerability/

[3] Victor Marchezini (2018). As ciências sociais nos desastres: um campo de pesquisa em construção. Conferir: https://www.researchgate.net/publication/323075415_As_ciencias_sociais_nos_desastres_um_campo_de_pesquisa_em_construcao

[4] Cardona, O.D., M.K. van Aalst, J. Birkmann, M. Fordham, G. McGregor, R. Perez, R.S. Pulwarty, E.L.F. Schipper, and B.T. Sinh (2012): Determinants of risk: exposure and vulnerability. Conferir: https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/03/SREX-Chap2_FINAL-1.pdf

O conceito de risco: evento com potencial danoso, exposição e vulnerabilidade

Parque Ecológico do Rio Tietê – São Paulo, SP (acervo próprio)

Parte III: Exposição

Exposição, como vimos no primeiro artigo desta série, refere-se à presença de pessoas, propriedades, sistemas ou outros elementos em zonas de evento com potencial danoso e, portanto, sujeitas a potenciais perdas. [1]

Embora a exposição esteja diretamente ligada a determinado espaço (ou seja, às “zonas de evento com potencial danoso”), ela também é definida por fatores majoritariamente demográficos e socioeconômicos, tais como crescimento populacional, migração, urbanização e desenvolvimento econômico. [2] 

Assim, esta é uma questão particularmente sensível nas cidades, onde a população tende a ocupar o território de maneira concentrada, frequentemente sem planejamento público, de modo que o risco e propensão aos desastres se torna ainda maior. Um terremoto de larga escala numa região de baixa ocupação, por exemplo, fará menos vítimas do que numa região densamente povoada e edificada.

Além disso, a exposição nos centros urbanos também se agrava no contexto de desigualdades sociais, em que os grupos socioeconomicamente favorecidos tendem a ocupar áreas valorizadas, mais adaptadas e menos vulneráveis, enquanto os grupos marginalizados ocupam áreas de menor segurança, maior exposição e, portanto, maior risco.

Esta pergunta pode cruzar o pensamento de muitos leitores: se podemos utilizar experiências passadas, ferramentas, metodologias, dados e estudos de campo para determinar a segurança de determinada área, por que não simplesmente evitamos áreas propensas a danos e deslocamos comunidades para regiões menos expostas aos eventos com potencial danoso? Há ao menos duas dificuldades para essa solução que, à princípio, parece tão simples. 

Primeiro, é comum que áreas propensas a eventos danosos, como costas litorâneas, encostas vulcânicas e planícies alagadas, possam ser consideradas um atrativo para ocupações humanas, considerando os benefícios econômicos que podem ser extraídos da região. [2] Assim, a exposição não é consequência de uma decisão distraída e inconsequente, mas sim de uma ocupação baseada na necessidade, disponibilidade e oportunidade. 

Segundo, deslocar grupos quando já existe uma ocupação é uma tarefa delicada, lenta e, frequentemente, conflituosa. O gestor público precisa levar em consideração a identidade histórica, cultural e social da comunidade, em grande parte associada ao seu local de origem, bem como as necessidades e capacidades do local de destino – que, por sua vez, pode já estar ocupado por outras comunidades.

Outra questão que requer o olhar atento e cauteloso dos gestores públicos é que a exposição não permanece estática, já que as regiões não são imutáveis. Além disso, ainda que as mudanças no espaço normalmente requerem anos e anos de pequenos passos, a intervenção humana na natureza acelera essas alterações. Um dos fatores que podem agravar (e tendem a agravar) a exposição é a crise climática. O aumento da temperatura global, sentido localmente, não só agrava a frequência de eventos extremos, como secas, enchentes e tempestades, mas também contribui para o aumento do nível do mar, ameaça a biodiversidade e, consequentemente, afeta as atividades socioeconômicas das comunidades. [3]

Quando discutimos evento com potencial danoso, apresentamos algumas das dificuldades de reduzir ou evitar a ocorrência tais eventos, seja porque acontecem em diferentes escalas de intensidade, tempo e espaço, seja porque podem se desdobrar em cascata ou ainda porque frequentemente não podem ser previstos o momento e impacto exatos da ocorrência. Considerando que esses eventos frequentemente escapam do controle do gestor público, é imprescindível desenvolver complementarmente estratégias para reduzir também a exposição.

Sugere-se, primeiramente, para reduzir a exposição, que sejam desenvolvidas políticas de habitação, transporte, construção e ocupação do espaço urbano de modo que seja evitado o estabelecimento de estruturas em áreas altamente propensas a eventos com potencial danoso. No Brasil, as principais áreas de risco são as encostas, sujeitas a deslizamentos de terra, e as margens dos rios, sujeitas a inundações. [4]

Não sendo possível evitar tais ocupações, deve ser realizado um planejamento territorial para que a comunidade possa se estabelecer em determinada área sem estar tão vulnerável aos efeitos dela. Requalificação urbana para tornar as estruturas urbanas mais resilientes aos eventos com potencial danoso deve incluir, entre outras ações:

– Evitar a destruição da vegetação de encostas, promover o plantio de espécies de raízes compridas que ajudem a sustentar o solo, evitar amontoamento de resíduos que podem entupir a saída de água, desenvolver sistemas de drenagem com calhas e canaletas, entre outras medidas para reduzir o deslizamento de encostas.

– Aumentar as áreas verdes para melhorar a permeabilidade do solo, promover a limpeza regular dos bueiros e drenagem urbana, gerir os resíduos sólidos urbanos, desassorear os rios, garantir o tratamento de efluentes, entre outras alternativas que podem reduzir as inundações.

Em suma, havendo evento com potencial danoso, não se fala de risco se não houver exposição das comunidades a tal evento; e, se houver exposição mas a comunidade estiver adaptada a tais ocorrências, o risco se torna menor. Confiram, na próxima semana, o último artigo desta série, em que será discutido o conceito de vulnerabilidade, o terceiro e mais crítico dos elementos que compõem o risco.

[1] United Nations International Strategy for Disaster Reduction (2009). UNISDR Terminology on Disaster Risk Reduction. Conferir: https://www.preventionweb.net/files/7817_UNISDRTerminologyEnglish.pdf 

[2] Prevention Web. Exposure. Conferir: https://www.preventionweb.net/disaster-risk/risk/exposure/ 

[3] Smith, J. B.; Schellnhuber, H. J.; Mirza, M. M. Q. (2001). Vulnerability to Climate Change and Reasons for Concern: A Synthesis. Conferir: https://archive.ipcc.ch/ipccreports/tar/wg2/pdf/wg2TARchap19.pdf 

[4] UNICAMP. Mapeamento de áreas de risco. Conferir: https://www.unicamp.br/fea/ortega/temas530/ricardo.htm#:~:text=%C3%81reas%20de%20risco%20s%C3%A3o%20regi%C3%B5es,devido%20%C3%A0%20pr%C3%B3pria%20a%C3%A7%C3%A3o%20humana

Calendário de eventos (Mar. 2021)

ARISE Japan Public Symposium 2021: Creating disaster resilient communities by ‘going local’ in DRR02 de março de 2021https://www.preventionweb.net/events/view/75990?id=75990 
I Simposio Internacional de Direito Ambiental02-03 de março de 2021https://www.sympla.com.br/i-simposio-internacional-de-direito-ambiental——abdem-e-universidad-de-salamanca__1109879 
Virtual Regional Roundtables03-04 de março de 2021https://indico.un.org/event/1000089/ 
International Women’s Day: Women in leadership – achieving an equal future08 de março de 2021https://www.linkedin.com/events/internationalwomen-sday-womenin6764887052552044545/ 
Cidades e comunidades sustentáveis13 de março de 2021https://fjsp.org.br/agenda/palestra_cidades_comunidade_sustentaveis/?fbclid=IwAR2f7fH9TbZZDjjekKP5y8uADqLikEJ30_ONFkJ1lixOl_WNeJjaMY7wUf4 
Virtual conference on disaster risk reduction – civil engineering for a disaster resilient society19-21 de março de 2021https://vcdrr.nitk.ac.in/ 
Asia-Pacific Forum on Sustainable Development 2021 23-26 de março de 2021https://www.unescap.org/apfsd/8 
SDG Global Festival of Action25-26 de março de 2021https://globalfestivalofaction.org/