
Parte IV: Vulnerabilidade
Vulnerabilidade se refere às características e circunstâncias de uma comunidade, sistema ou patrimônio que a/o torna mais suscetível aos efeitos danosos do evento. [1] A noção de vulnerabilidade é frequentemente utilizada tanto na disciplina de gestão de desastres quanto no contexto de adaptação para mudanças climáticas. Neste artigo, para seguir o recorte das demais publicações desta série, iremos focar em vulnerabilidade aplicada aos desastres.
A vulnerabilidade pode ser referida como a dimensão humana dos desastres, sendo resultado de uma combinação dos elementos econômicos, sociais, culturais, institucionais, políticos e psicológicos que compõem a vida de uma pessoa e do ambiente em que ela está inserida [2]. Assim, vulnerabilidade é o elemento mais estratégico a ser endereçado pelas políticas públicas para gestão de desastres e para desenvolvimento de sociedades resilientes. Isso porque, comparada aos outros elementos que compõem o risco (evento com potencial danoso e exposição), vulnerabilidade é o quesito que está mais próximo do alcance do gestor público, já que é resultado das estruturas criadas pelo homem.
Embora inicialmente a vulnerabilidade fosse visualizada no estudo de desastres como um elemento relacionado à resistência física das estruturas de engenharia, o conceito passou também a ser relacionado com processos sociais e ecológicos. Conforme descreve Victor Marchezini, apenas a partir de 1970 o desastre começa a ser observado como expressão social da vulnerabilidade e, a partir de 1980, a vulnerabilidade passa a ser considerada como “resultado de processos sociais que criam condições inseguras”. [3] Esta percepção da vulnerabilidade é bastante relevante para o modo que compreendemos os desastres, pois não os reconhece como um acontecimento natural, mas sim como consequência da interação de sistemas humanos e ecológicos.
Dessa forma, as causas da vulnerabilidade podem estar associadas tanto a estruturas socioeconômicas (por exemplo, distribuição de poder e renda, aspectos históricos e culturais, e falta de acesso a serviços públicos básicos e a infraestruturas) quanto a pressões dinâmicas que criam ou modificam essas condições de insegurança (como urbanização, alterações nos sistemas ecológicos e crises políticas). [3] Especialmente no caso das cidades, o crescimento populacional acelerado, o desenvolvimento espacial mal planejado, as desigualdades socioeconômicas e a má gestão ambiental são alguns dos vetores que intensificam a vulnerabilidade dos meios urbanos.
Há ao menos duas características que são atribuídas à vulnerabilidade no contexto gestão de desastres: susceptibilidade e falta de resiliência. Susceptibilidade refere-se à predisposição física de pessoas, estruturas e ambientes de serem afetados pelo evento com potencial danoso. Falta de resiliência, por sua vez, refere-se a limitações no acesso e mobilização de recursos que interferem na capacidade de antecipar, absorver e responder aos impactos do evento (sejam esses impactos sociais, ecológicos, econômicos ou institucionais). [4] Uma comunidade instalada próxima ao leito de um rio é mais suscetível aos danos consequentes do período de cheia; contudo, construções elevadas, paredes para contenção de alagamentos, estruturas flutuantes e outras tecnologias tornam a comunidade mais resiliente e menos vulnerável.
Uma vez que a vulnerabilidade está associada a falhas sistêmicas, estruturais e complexas, o desafio primordial do gestor público é estabelecer políticas profundas, em diversos setores, associando múltiplos atores e estratégias, que podem exigir um esforço custoso e longo, mas fundamental. Além disso, sendo a vulnerabilidade dinâmica e sujeita às mudanças nos sistemas, outro desafio é que as estratégias acompanhem essas mudanças, que podem ser alterações nos padrões demográficos, nas condições socioeconômicas, nas estruturas físicas e ecológicas disponíveis, no contexto político e institucional, dentre outras.
Tais desafios exigem políticas públicas contínuas, consistentes e multisetoriais, comunicando estratégias de governança, socioeconômicas e ambientais. Utilizando como referência as duas características da vulnerabilidade mencionadas acima, para definir ações que podem diminuir a vulnerabilidade de cidades (e, consequentemente, para diminuir o risco a desastres), é fundamental que o gestor público busque a redução da susceptibilidade dos sistemas e o desenvolvimento da resiliência urbana. Além das ações já mencionadas em artigos anteriores, a administração deve incluir ainda (mas não apenas):
– Políticas de governança, incluindo o estabelecimento de centros de pesquisa e informação, bem como de secretarias especializadas.
– Políticas para redução das desigualdades (sejam elas econômicas, de gênero, etnia etc.), tais como programas de educação e treinamento, de auxílio e distribuição de renda, de criação de emprego, entre outros.
– Políticas de requalificação e revitalização dos espaços urbanos, com maior acesso a tecnologias resilientes e inclusão das comunidades nos processos decisórios.
A vulnerabilidade é um tema que voltará a ser abordado em outras publicações deste plataforma, uma vez que está no cerne das estratégias para redução do risco de desastres, bem como para as ações de adaptação às mudanças climáticas. Este foi o último artigo da série “Conceito de risco”. Esperamos que os textos tenham oferecido uma base clara e coesa de como os desastres não são naturais, mas resultado de falhas no desenvolvimento.
[1] United Nations International Strategy for Disaster Reduction (2009). UNISDR Terminology on Disaster Risk Reduction. Conferir: https://www.preventionweb.net/files/7817_UNISDRTerminologyEnglish.pdf
[2] Prevention Web. Vulnerability. Conferir: https://www.preventionweb.net/disaster-risk/risk/vulnerability/
[3] Victor Marchezini (2018). As ciências sociais nos desastres: um campo de pesquisa em construção. Conferir: https://www.researchgate.net/publication/323075415_As_ciencias_sociais_nos_desastres_um_campo_de_pesquisa_em_construcao
[4] Cardona, O.D., M.K. van Aalst, J. Birkmann, M. Fordham, G. McGregor, R. Perez, R.S. Pulwarty, E.L.F. Schipper, and B.T. Sinh (2012): Determinants of risk: exposure and vulnerability. Conferir: https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/03/SREX-Chap2_FINAL-1.pdf