Uma das sessões da primeira versão da plataforma, com o intuito de organizar e centralizar recomendaçoes de leitura para os interessados na área de resiliência urbana, foi a Biblioteca Digital. Embora essa categoria de conteúdo tenha permanecido, considerando a imensa comodidade que representa para pesquisadores, a biblioteca traz literatura acadêmica ao lado da literatura cinza. Considerando meu próprio interesse em aprofundar minha pesquisa para preparar para um futuro doutorado, faltava um espaço que fosse essencialmente acadêmico, que trabalhasse, não um tema específico (como é o caso da sessão de artigos), mas um livro de um autor de referência na área, uma publicação que revolucionou o campo de pesquisa ou um artigo que estabeleceu uma nova teoria ou conceito.
As revisões literárias, então, surgiram com dois objetivos. O primeiro, diretamente relacionado ao ponto mencionado anteriormente, é dedicar uma fatia dos meus estudos para refletir sobre publicações específicas que tenham se destacado ao longo das pesquisas e que constituem o estado da arte em matéria de resiliência urbana. O segundo objetivo, menos acadêmico, é reservar um espaço para promover um pensamento sobre livros que, embora não enderecem tais temas diretamente, o permeiam pelos debates em sustentabilidade, conservação, meio ambiente e áreas afins. Não serão inclusos livros de ficção; para esse propósito, utilizo o espaço do Booki, outro site em que escrevo, dedicado especificamente a reflexões sobre a relação entre o humano e o natural pelos olhos da literatura.
Independente do caso, a princípio, não haverá um método de pesquisa que será seguido (ou, se houver, será indicado no próprio texto). O essencial é garantir um registro de referências e pensamentos que foram levantados ao longo das leituras, os quais eu não desejava perder. Nem todas as publicações estão publicamente disponíveis pela internet, já que alguns livros estão fisicamente na minha estante. Dessa forma, algumas fontes não terão links que disponibilizem o download e, portanto, não serão adicionadas à Biblioteca Digital.
Universidade de Kobe, Hyogo, Japão (acervo próprio)
6 de julho de 2022
Como uma ávida produtora de diários e uma apática criadora de conteúdos sobre minha vida pessoal para as mídias sociais, criar uma categoria no site que fosse destinada a relatos das minhas experiências foi a ideia menos intuitiva da Estação. Além disso, como uma mulher ocasionalmente contagiada pela síndrome do impostor, não é intuitivo para mim que minha trajetória possa servir de inspiração para outras pessoas que, porventura, busquem carreiras e propósitos similares. Não é falsa modéstia; já ouvi de outras mulheres (inclusive mulheres incríveis e mais experientes) que passam por esses momentos de dúvida sobre nós mesmas – mas deixarei esse debate para outro momento.
De qualquer modo, penso que a existência é uma constante demonstração de teimosia e, nesse sentido, minha missão aqui é continuar a desenvolver essa categoria apesar dos motivos que a desmotivam. Em certa ocasião, lamentava para uma amiga que, embora escrever fosse a minha principal paixão, não via por quê mostrar o que escrevia para outras pessoas, muito menos por quê publicar, pois já havia obras maravilhosas pelo mundo, narrando absolutamente sobre tudo. Mas ela discordou, com toda a razão: é verdade, existia muitas obras… mas ainda não existia uma obra que mostrasse a minha visão. E existência também é sobre o nosso legado, sobre deixar uma contribução que não é para você mesmo, mas para os outros – da mesma forma que nós também desfrutamos do legado deixado pelos outros.
Agora vejamos, sobre o que será esse diário? Meu plano é me debruçar sobre eventos que se relacionaram com o meu desenvolvimento acadêmico e profissional, não apenas para registrar e relembrar esses momentos, retomando alguns pensamentos perdidos da época (porque, sim, também tenho diários dos respectivos períodos, embora este seja inédito, principalmente porque lançará um olhar para o passado com os olhos de hoje). Viagens, visitas, eventos, conferências, tudo aquilo que, ladrilho por ladrilho, me trouxe até aqui. Não posso afirmar que alguma palavra aqui semeará inspiração, mas que esta seja, por fim, uma oportunidade de demonstrar gratidão a todos que, de alguma forma, foram minhas inspirações.
Parque da Água Branca – São Paulo, SP (acervo próprio)
Já mencionamos em artigos anteriores que resiliência não implica voltar ao estado anterior ao fator disruptivo, mas sim se recuperar e, nesse processo, se fortalecer. Por se tratar de uma questão complexa, em que os diferentes setores da gestão urbana se envolvem e se influenciam mutuamente, as ações para melhoramento da resiliência urbana devem se destinar não só às infraestruturas físicas, mas a todos os sistemas que compõem o meio urbano.
Utilizamos a palavra “dimensões” para, dentre outros significados, nos referir à extensão mensurável de determinado elemento – isto é, o espaço por ele ocupado, seja este espaço físico ou abstrato. Nesse sentido, podemos ainda nos referir a dimensões da cidade resiliente como aspectos que compõem a resiliência urbana, que, por sua vez, podem ser utilizadas para desenhar modelos e teorias que simplificam uma realidade complexa, sistematizando e facilitando o entendimento. Além disso, tais modelos podem construir bases fundamentais para, por exemplo, promover a avaliação da resiliência urbana, à medida que cada dimensão agrupa um conjunto de indicadores. Mas deixemos a questão da avaliação para o futuro, pois neste artigo o foco será apenas dimensões.
O primeiro modelo a ser mencionado é utilizado por diversas organizações e pesquisadores. Trata-se de um entendimento que compreende a resiliência em 4 dimensões: econômica, ambiental, social e político-institucional. Cada uma dessas dimensões agrupa uma gama de serviços essenciais para a sobrevivência humana, tais como:
– Dimensão econômica: produção industrial, geração de emprego e renda, desenvolvimento de inovação e de capacidades humanas;
– Dimensão ambiental: manutenção dos recursos naturais, equilíbrio dos serviços ecossistêmicos, bem estar ambiental;
– Dimensão social: saúde, igualdade de gênero, acesso à cultura e lazer;
– Dimensão político-institucional: transparência da administração pública, acesso à informação, participação popular.
Este modelo quadripartido é utilizado, por exemplo, pelo Escritório das Nações Unidas para Redução do Risco de Desastres (UNDRR). [1] Com essa divisão, pode-se pensar numa gama de ações fundamentais a ser tomadas para cada dimensão, por exemplo:
– A dimensão econômica deve buscar diversificação das atividades econômicas, redução da pobreza e continuidade de negócios locais;
– A dimensão ambiental precisa incorporar medidas para proteger recursos naturais existentes, bem como recuperar áreas degradadas;
– A dimensão social requer garantia de acesso a serviços básicos, bem como participação e integração de múltiplos stakeholders; e
– A dimensão político-institucional requer, dentre outras estratégias, a coordenação intersetorial de políticas públicas e melhoria das capacidades institucionais.
A OECD também utiliza o modelo quadripartido [2, 3]. Cada dimensão é entendida como uma área que impulsiona a resiliência, enquanto cada área abriga as respectivas atividades relevantes: diversificação das indústrias e inovação, bem como acesso à boas condições de emprego (dimensão econômica); sustentabilidade e adequação do desenvolvimento urbano, da infraestrutura e da gestão de recursos naturais (dimensão ambiental); inclusão e coesão entre as pessoas (dimensão social); e liderança, colaboração e participação (dimensão político-institucional).
A Fundação Rockefeller publicou em 2015 outro modelo bastante conhecido: o Quadro de Cidades Resilientes (City Resilience Framework – CRF), uma ferramenta para visualizar as forças e fraquezas das cidades no campo da resiliência. Neste caso, embora ainda se tratem de 4 categorias, a divisão é um pouco diferente: (I) saúde e bem estar; (II) economia e sociedade; (III) infraestrutura e meio ambiente; e (IV) liderança e estratégia. [4] Percebe-se que os elementos econômico e social ainda estão presentes, mas sob uma mesma divisão, enquanto o elemento ambiental é agrupado à infraestrutura para compor o espaço físico. Além disso, neste modelo, a dimensão político-institucional é substituída pela figura da liderança e estratégia, o que destaca a importância das comunidades e líderes locais no processo decisório. Por fim, podemos localizar uma atenção especial para a questão da saúde e bem estar, uma das questões mais urgentes e evidentes num contexto de desastre.
Uma investigação mais minuciosa pela literatura pode encontrar diversos outros modelos para compreender as dimensões da resiliência. Sharifi e Yamagata (2016), por exemplo, propõem 5 dimensões [5]:
– Dimensão da economia, que se refere à estrutura da economia, bem como à sua segurança, estabilidade e dinamismo, associada às capacidade e habilidades das pessoas, bem como disponibilidade de trabalhos razoavelmente remunerados.
– Dimensão material e de recursos ambientais, que remete à qualidade, disponibilidade, acessibilidade e conservação dos recursos (que por sua vez providenciam serviços ecossistêmicos essenciais).
– Dimensão da sociedade e bem estar, que influencia a auto-suficiência e resiliência de uma comunidade.
– Dimensão do ambiente construído e infraestrutura, que recomenda multifuncionalidade de espaços urbanos, bem como monitoramento regular das estruturas associado à requalificação ambiental.
– Dimensão da governança e instituição, que almeja eficiência das relações entre comunidades e entidades da administração, além do fortalecimento e empoderamento das lideranças locais, com incentivo à transparência, participação popular e colaboração no compartilhamento de informações e na tomada de decisões.
Outros modelos encontrados na literatura foram aqueles propostos pelo Centro Multidisciplinar de Pesquisa da Engenharia dos Terremotos (MCEER), nos Estados Unidos. [6] O primeiro modelo (2006) utilizava 4 dimensões da resiliência (técnica, organizacional, social e econômica), enquanto o segundo modelo (2010) estabeleceu 7 dimensões (população e demografia, ecossistema e meio ambiente, serviços governamentais organizados, infraestrutura física, estilo de vida e competência da comunidade, desenvolvimento econômico e, por fim, capital social e cultural). Interessante observar que os modelos não são apenas nomes e caixinhas, mas produzem consequências na forma como compreendemos a resiliência: o primeiro modelo focava em políticas reativas, isto é, na resposta aos desastres, enquanto o segundo modelo passou a se preocupar também na mitigação e preparação para futuros eventos com potencial danoso.
Observamos neste artigo que os elementos econômico, ambiental, social e institucional estão presentes em todos os modelos acima referidos, ainda que as dimensões sejam divididas de diferentes formas, com mais foco em um ou outro aspecto. Não podemos decidir quais modelos estão corretos ou incorretos, mas talvez possamos discutir qual modelo é mais adequado para determinado caso e suas respectivas particularidades, demandas e emergências. Ademais, sendo simplificações da realidade, os modelos possuem limitações. As divisões facilitam a elaboração de planos setoriais, a definição de estratégias temáticas e posterior avaliação das políticas, mas as dimensões não abrigam núcleos independentes, mas sim sistemas que se relacionam e se intersectam.