Cidades sustentáveis, resilientes, inteligentes ou criativas?

Catedral da Sé – São Paulo, SP (acervo próprio)

Cidades sustentáveis? Ou seriam cidades resilientes? E as cidades inteligentes, criativas, ecológicas, de baixo carbono? Cada vez mais observamos o uso dessas terminologias em eventos, notícias e publicações, muitas vezes de maneira intercambiável. No entanto, ainda que uma cidade inteligente possa ser uma ecocidade ou uma cidade criativa possa ser sustentável, a relação não necessariamente é verdadeira, uma vez que seus conceitos não são sinônimos.

Comecemos pelas cidades sustentáveis, provavelmente a categoria mais popular dentre as mencionadas (já que o próprio conceito de sustentabilidade é bastante amplo, podendo se referir a diversas demandas distintas na agenda de políticas públicas). Tais cidades buscam a melhoria do bem-estar e qualidade de vida das pessoas através de um desenvolvimento inclusivo e em equilíbrio com o meio ambiente. [1] Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU retratam diferentes dimensões de sustentabilidade no âmbito ambiental, social, econômico e institucional. Cidades e comunidades sustentáveis é o décimo primeiro ODS, em que “tornar cidades sustentáveis significa criar oportunidades de carreira e negócio, habitação segura e acessível, e construir sociedades e economias resilientes. Envolve investimentos em transportes públicos, criação de espaços públicos verdes e melhora do planejamento e gestão urbana de maneira participativa e inclusiva”. [2]

A rede ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, por sua vez, define cidades sustentáveis como “habitats ambientalmente, socialmente e economicamente saudáveis e resilientes para as populações existentes, sem que comprometa a habilidade das futuras gerações de experimentar o mesmo”. [3] Este conceito trabalha com dois componentes importantes da sustentabilidade, trazidas pelo Nosso Futuro Comum, também chamado de Relatório Brundtland, documento que se tornou referência no conceito de desenvolvimento sustentável desde a década de 1970 até hoje: justiça intergeneracional, referindo-se ao direito das gerações presentes de suprir suas necessidades sem prejudicar o direito das gerações futuras; e justiça intrageracional, que exige solidariedade dentro de uma mesma geração, para que as externalidades negativas do desenvolvimento não sejam sentidas desigualmente pelos grupos mais vulneráveis. [4]

Tanto o conceito trazido pelos ODSs quanto pelo ICLEI utilizam o adjetivo resiliente para se referir a sociedades sustentáveis. Isso significa que cidades sustentáveis e cidades resilientes são sinônimos? Vejamos o próximo termo.

Em publicação passada, nos referimos à resiliência urbana como “a capacidade dos meios urbanos de, através de medidas preventivas e de gestão urbana adequada, resistir, responder e se recuperar de um evento danoso, previsto ou não, de maneira rápida e eficiente, de modo que seus sistemas básicos possam continuar em funcionamento.” Dessa forma, a cidade resiliente é aquela que é capaz de absorver o impacto de um evento danoso e manter seus sistemas essenciais. Similarmente, a cidade sustentável é aquela que, tendo construído estruturas ambientais, sociais e econômicas saudáveis, é capaz de sustentá-las dessa maneira a longo prazo. 

Podemos observar, então, que há duas ideias comuns entre as duas categorias: primeiro, tanto a noção de resiliência quanto de sustentabilidade implicam uma ideia de continuidade; segundo, tanto cidades resilientes quanto sustentáveis requerem uma gestão urbana intersetorial, isto é, que inclua diversos setores da agenda pública. Dessa forma, entendemos que a cidade sustentável deve ser resiliente e vice-versa. Contudo, não consideramos os conceitos sinônimos, à medida que as cidades sustentáveis focam no desenvolvimento sustentável, abarcando as noções de justiça intrageracional e intergeracional, enquanto cidades resilientes focam em estruturas flexíveis, preparadas para responder a uma situação de risco.

Outro conceito bastante utilizado nos dias de hoje, com o acelerado desenvolvimento das tecnologias, é o de smart cities ou cidades inteligentes. O conceito smart não se aplica apenas a cidades, podendo ser inclusive incorporado no cotidiano das pessoas. Por exemplo, o uso de um smartphone permite uma facilidade de acesso a diversos tipos de serviço (controle bancário, notícias em tempo real, mapas interativos e constantemente atualizados, entre outros). [1] Assim, a noção de smart frequentemente é associada ao uso de tecnologia, mas não está limitado a isso.

No caso das cidades, uma smart city possui redes e serviços mais eficientes pelo uso de tecnologias digitais e de telecomunicação, não apenas pela melhora do fluxo de informação e comunicação, mas também pelo melhor uso de recursos e redução das emissões. [5] Porém, conforme ponderado pelo Banco Mundial, cidades inteligentes é um conceito que pode ser compreendido por duas visões (que não se excluem): aquela que mencionamos, em que há um intenso uso de tecnologias, com automatização de serviços, incorporação de aparelhos eletrônicos, infraestruturas inteligentes, equipamentos para economia de energia etc.; e aquela em que há uma melhor relação e comunicação entre cidadãos e governos, alavancado pela tecnologia disponível, com maior feedback e participação dos cidadãos, bem como maior transparência das informações possuídas pelo governo. [6] A tecnologia, então, não é um fim em si mesma, mas uma forma de alcançar melhores desempenhos na administração pública, inclusive apoiando soluções mais sustentáveis.

Frequentemente associado ao conceito de smart cities, temos também as cidades criativas, que buscam inovação e desenvolvimento através de serviços e pessoas criativas. São cidades que estimulam tanto a economia criativa local quanto o desenvolvimento de recursos culturais, como língua, gastronomia, lazer e turismo, história e artes. Cidades criativas complementam cidades inteligentes e contribuem para cidades mais resilientes e sustentáveis, à medida que a cultura e criatividade se tornam elementos estratégicos de planejamento, crescimento, inovação e regeneração urbana, promovendo coesão social, bem estar e diálogo intercultural [7], além de promover o desenvolvimento de ideias e capacidades humanas. 

Outros termos podem ser utilizados para situações mais específicas aos seus respectivos debates. A publicação do ICLEI, aqui utilizada como referência de leitura, traz, por exemplo, os conceitos de eco-cities e low-carbon cities. [3] Eco-cities ou eco-cidades (também chamadas de resource-efficient cities ou cidades com manejo eficiente de recursos) são aquelas que apresentam desenvolvimento socioeconômico dissociado da exploração abusiva de recursos, buscando atividades de menor impacto ambiental. Low-carbon cities ou cidades de baixo carbono, por sua vez, são aquelas que buscam estratégias para reduzir e neutralizar a geração de carbono na sociedade através de medidas de economia e infraestrutura verdes.

Em suma, as diferentes categorias aqui mencionadas não se excluem e se complementam, mas não podemos considerá-las sinônimos, já que são utilizadas com diferentes focos e para contextos específicos. Sejam cidades sustentáveis, resilientes, inteligentes ou criativas, o objetivo dentre elas é comum: melhorar a qualidade de vida e bem estar das pessoas.

[1] SEBRAE (2019). Cidades resilientes e sustentáveis. Disponível em: http://sustentabilidade.sebrae.com.br/Sustentabilidade/Para%20sua%20empresa/Publica%C3%A7%C3%B5es/CAR_Cidades_port_digital.pdf 

[2] UNDP (2021). Goal 11: Sustainable cities and communities. Disponível em: https://www.undp.org/content/undp/en/home/sustainable-development-goals/goal-11-sustainable-cities-and-communities.html 

[3] ICLEI (2016). ICLEI – Local Governments for Sustainability. Disponível em: https://e-lib.iclei.org/wp-content/uploads/2016/10/ICLEI-Brochure_Sept-2016_Final.pdf

[4] WCED (1987). Our Common Future. https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf

[5] European Commission (2021). Smart cities. Disponível em: https://ec.europa.eu/info/eu-regional-and-urban-development/topics/cities-and-urban-development/city-initiatives/smart-cities_en

[6] World Bank (2015). Smart Cities. Desponível em: https://www.worldbank.org/en/topic/digitaldevelopment/brief/smart-cities 

[7] UNESCO (2021). Why Creativity? Why Cities? Disponível em: https://en.unesco.org/creative-cities/content/why-creativity-why-cities