
Já mencionamos em artigos anteriores que resiliência não implica voltar ao estado anterior ao fator disruptivo, mas sim se recuperar e, nesse processo, se fortalecer. Por se tratar de uma questão complexa, em que os diferentes setores da gestão urbana se envolvem e se influenciam mutuamente, as ações para melhoramento da resiliência urbana devem se destinar não só às infraestruturas físicas, mas a todos os sistemas que compõem o meio urbano.
Utilizamos a palavra “dimensões” para, dentre outros significados, nos referir à extensão mensurável de determinado elemento – isto é, o espaço por ele ocupado, seja este espaço físico ou abstrato. Nesse sentido, podemos ainda nos referir a dimensões da cidade resiliente como aspectos que compõem a resiliência urbana, que, por sua vez, podem ser utilizadas para desenhar modelos e teorias que simplificam uma realidade complexa, sistematizando e facilitando o entendimento. Além disso, tais modelos podem construir bases fundamentais para, por exemplo, promover a avaliação da resiliência urbana, à medida que cada dimensão agrupa um conjunto de indicadores. Mas deixemos a questão da avaliação para o futuro, pois neste artigo o foco será apenas dimensões.
O primeiro modelo a ser mencionado é utilizado por diversas organizações e pesquisadores. Trata-se de um entendimento que compreende a resiliência em 4 dimensões: econômica, ambiental, social e político-institucional. Cada uma dessas dimensões agrupa uma gama de serviços essenciais para a sobrevivência humana, tais como:
– Dimensão econômica: produção industrial, geração de emprego e renda, desenvolvimento de inovação e de capacidades humanas;
– Dimensão ambiental: manutenção dos recursos naturais, equilíbrio dos serviços ecossistêmicos, bem estar ambiental;
– Dimensão social: saúde, igualdade de gênero, acesso à cultura e lazer;
– Dimensão político-institucional: transparência da administração pública, acesso à informação, participação popular.
Este modelo quadripartido é utilizado, por exemplo, pelo Escritório das Nações Unidas para Redução do Risco de Desastres (UNDRR). [1] Com essa divisão, pode-se pensar numa gama de ações fundamentais a ser tomadas para cada dimensão, por exemplo:
– A dimensão econômica deve buscar diversificação das atividades econômicas, redução da pobreza e continuidade de negócios locais;
– A dimensão ambiental precisa incorporar medidas para proteger recursos naturais existentes, bem como recuperar áreas degradadas;
– A dimensão social requer garantia de acesso a serviços básicos, bem como participação e integração de múltiplos stakeholders; e
– A dimensão político-institucional requer, dentre outras estratégias, a coordenação intersetorial de políticas públicas e melhoria das capacidades institucionais.
A OECD também utiliza o modelo quadripartido [2, 3]. Cada dimensão é entendida como uma área que impulsiona a resiliência, enquanto cada área abriga as respectivas atividades relevantes: diversificação das indústrias e inovação, bem como acesso à boas condições de emprego (dimensão econômica); sustentabilidade e adequação do desenvolvimento urbano, da infraestrutura e da gestão de recursos naturais (dimensão ambiental); inclusão e coesão entre as pessoas (dimensão social); e liderança, colaboração e participação (dimensão político-institucional).
A Fundação Rockefeller publicou em 2015 outro modelo bastante conhecido: o Quadro de Cidades Resilientes (City Resilience Framework – CRF), uma ferramenta para visualizar as forças e fraquezas das cidades no campo da resiliência. Neste caso, embora ainda se tratem de 4 categorias, a divisão é um pouco diferente: (I) saúde e bem estar; (II) economia e sociedade; (III) infraestrutura e meio ambiente; e (IV) liderança e estratégia. [4] Percebe-se que os elementos econômico e social ainda estão presentes, mas sob uma mesma divisão, enquanto o elemento ambiental é agrupado à infraestrutura para compor o espaço físico. Além disso, neste modelo, a dimensão político-institucional é substituída pela figura da liderança e estratégia, o que destaca a importância das comunidades e líderes locais no processo decisório. Por fim, podemos localizar uma atenção especial para a questão da saúde e bem estar, uma das questões mais urgentes e evidentes num contexto de desastre.
Uma investigação mais minuciosa pela literatura pode encontrar diversos outros modelos para compreender as dimensões da resiliência. Sharifi e Yamagata (2016), por exemplo, propõem 5 dimensões [5]:
– Dimensão da economia, que se refere à estrutura da economia, bem como à sua segurança, estabilidade e dinamismo, associada às capacidade e habilidades das pessoas, bem como disponibilidade de trabalhos razoavelmente remunerados.
– Dimensão material e de recursos ambientais, que remete à qualidade, disponibilidade, acessibilidade e conservação dos recursos (que por sua vez providenciam serviços ecossistêmicos essenciais).
– Dimensão da sociedade e bem estar, que influencia a auto-suficiência e resiliência de uma comunidade.
– Dimensão do ambiente construído e infraestrutura, que recomenda multifuncionalidade de espaços urbanos, bem como monitoramento regular das estruturas associado à requalificação ambiental.
– Dimensão da governança e instituição, que almeja eficiência das relações entre comunidades e entidades da administração, além do fortalecimento e empoderamento das lideranças locais, com incentivo à transparência, participação popular e colaboração no compartilhamento de informações e na tomada de decisões.
Outros modelos encontrados na literatura foram aqueles propostos pelo Centro Multidisciplinar de Pesquisa da Engenharia dos Terremotos (MCEER), nos Estados Unidos. [6] O primeiro modelo (2006) utilizava 4 dimensões da resiliência (técnica, organizacional, social e econômica), enquanto o segundo modelo (2010) estabeleceu 7 dimensões (população e demografia, ecossistema e meio ambiente, serviços governamentais organizados, infraestrutura física, estilo de vida e competência da comunidade, desenvolvimento econômico e, por fim, capital social e cultural). Interessante observar que os modelos não são apenas nomes e caixinhas, mas produzem consequências na forma como compreendemos a resiliência: o primeiro modelo focava em políticas reativas, isto é, na resposta aos desastres, enquanto o segundo modelo passou a se preocupar também na mitigação e preparação para futuros eventos com potencial danoso.
Observamos neste artigo que os elementos econômico, ambiental, social e institucional estão presentes em todos os modelos acima referidos, ainda que as dimensões sejam divididas de diferentes formas, com mais foco em um ou outro aspecto. Não podemos decidir quais modelos estão corretos ou incorretos, mas talvez possamos discutir qual modelo é mais adequado para determinado caso e suas respectivas particularidades, demandas e emergências. Ademais, sendo simplificações da realidade, os modelos possuem limitações. As divisões facilitam a elaboração de planos setoriais, a definição de estratégias temáticas e posterior avaliação das políticas, mas as dimensões não abrigam núcleos independentes, mas sim sistemas que se relacionam e se intersectam.
[1] Fonte: UNDRR (2012). Como Construir Cidades Mais Resilientes. Um Guia para Gestores Públicos Locais. Conferir: https://www.unisdr.org/files/26462_guiagestorespublicosweb.pdf
[2] OECD. Resilient Cities. Conferir: https://www.oecd.org/regional/resilient-cities.htm
[3] OECD (2018). Indicators for Resilient Cities. Conferir: https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/6f1f6065-en.pdf?expires=1618754659&id=id&accname=guest&checksum=2D83BC3CE3876B499A278115ABD9CEE1
[4] Rockfeller Foundation (2015). City Resilience Framework. Conferir: https://www.rockefellerfoundation.org/wp-content/uploads/100RC-City-Resilience-Framework.pdf
[5] Ayyoob Sharifi e Yoshiki Yamagata (2016). Urban Resilience Assessment: Multiple Dimensions, Criteria, and Indicators. Conferir: https://www.researchgate.net/publication/306016491_Urban_Resilience_Assessment_Multiple_Dimensions_Criteria_and_Indicators
[6] Ronak Patel e Leah Nosal (2016). Defining the Resilient City. Conferir: https://sohs.alnap.org/system/files/content/resource/files/main/DefiningtheResilientCity24Jan.pdf